terça-feira, 31 de março de 2009

(Falta de) Sorte


- "E agora, senhores alunos, temos os trevos. Existem diversas espécies de trevos mas todas elas pertencem ao género Trifolium. As mais abundantes vão ter de saber identificar. Um dos mais comuns em Portugal é o Trifolium repels. Já toda a gente o viu de certeza... É aquele que se diz que dá sorte..."

Sorte. Sorte era não estar fechada nesta sala de aula nos primeiros dias da Primavera. Sorte era ela esbarrar com ele naquela esquina ao pé das escadas. Ela a descê-las para depois virar à direita. Ele a virar à esquerda para depois as subir. Os dois com pressa. A dobrar a esquina. No mesmo instante. Sorte era o encontr(ã)o inevitável.

Sorte. Sorte era terem os mesmos horários. Quase todas as manhãs, encontrar-se-iam no autocarro. Ela com os cadernos na mão e a mala ao ombro. Ele com a mochila às costas e o cabelo molhado. E a conversa surgiria, solta e livre, embalada pelas curvas e pelo trânsito. Sem silêncios incómodos quando não se sabe mais o que se há-de dizer. E quase todas as tardes, regressariam também no mesmo autocarro. Ela cansada e cheia de coisas para contar. Ele com fome e cheio de coisas para contar. E a conversa surgiria, mais calma, mais pausada, no meio de toda aquela gente irritada com o trânsito no regresso a casa. Sem silêncios incómodos quando tudo o que havia a dizer já foi dito e redito e dito de outra maneira. Sorte era que estas conversas, algum dia, pudessem ter a oportunidade de existir.

Sorte. Sorte era que as fugazes passagens um pelo outro se pudessem repetir mais vezes. Que não ficassem por um simples olhar. Ela com os seus olhos castanhos. Ele com os seus olhos azuis. Sorte era não haver quatro anos pelo meio mais os amigos dele (tão veteranos) e as amigas dela (tão caloiras). Sorte era poderem simplesmente cruzarem-se ao longo do dia e darem dois, três, quatro dedos de conversa até que se lembrassem que estavam atrasadíssimos para a aula.

Sorte era que os autocarros, os horários opostos, os amigos dele, as amigas dela e os quatro anos de diferença os deixassem, por fim, conhecerem-se. Ele e ela. Simplesmente conversar. Discutir filmes, músicas, livros, partilhar experiências, segredos mais ou menos bem guardados. Falar de tudo e de coisa nenhuma. Serem amigos. Fazerem parte da vida um do outro. Sorte era ele e ela não serem apenas duas pessoas que se encontram raramente no auttocarro.

E sorte era esta história não ser na primeira pessoa. Sorte era que algo acontecesse simplesmente. Acontecer. Ter azar pode não ser quando nos acontecem coisas más. Azar pode ser apenas o não acontecer. Pois sorte era eu não estar no meio de uma aula importante a pensar na (falta de) sorte e nos "se"s daquilo que fica sempre por acontecer...

sábado, 7 de março de 2009

Just imagine

"A arte não reproduz o que vemos. Ela faz-nos ver." (Paul Klee)

Ver como tudo muda, tudo se transforma sem querermos nada, sem fazermos nada, sem vermos nada. Só quando se levanta os olhos do bico do sapato é que se dá pela mudança de paisagem... Para, logo depois, os grãos de areia voltarem a escorregar de novo das mãos secas como o deserto enquanto os seus irmãos continuam a cair invarialmente no fundo da ampulheta. Uma nova paisagem. Artista anonimamente desconhecido (ou talvez não...). Que sejamos os artistas das nossas próprias paisagens! Ou, pelo menos, "just imagine"...


Ilana Yahav é uma das artistas mais conhecidas na arte de "sand animation". Utiliza apenas os seus dedos para desenhar com areia numa mesa de vidro. Este é apenas um dos seus trabalhos chamado de "Just imagine".