sábado, 17 de janeiro de 2009

Músicas contadoras de histórias 1

"Durante uma semana, todos os dias, sofrendo o vento e a chuva pelos caminhos alagados de S. Sebastião da Pedreira, o músico foi tocar duas, três horas, até que Blimunda teve forças para levantar-se, sentava-se ao pé do cravo, pálida ainda, rodeada de música como se mergulhasse por um profundo mar, diremos nós, que ela por aí nunca navegou, o seu naufrágio foi outro. Depois a saúde voltou depressa, se realmente faltara."
in "Memorial do Convento" de José Saramago

Às vezes o que me falta é apenas um mar profundo onde possa mergulhar. Onde seja livre de voar ao sabor das ondas. E flutuar com as gaivotas a esvoaçarem lá muito em cima no céu. Livre das âncoras do passado. Livre das minhas histórias mais os seus naufrágios. O meu mar. As minhas histórias. Às vezes eu quero outro mar. Outras histórias. E há musicas que são simplesmente de outro mundo. Há músicas excelentes contadoras de histórias.


As marionetas


Fragmagens - Donna Maria


Esta música lembra-me um filme. As notas do piano, logo no ínicio, parecem indicar que será um filme triste.
Mas depois há uma mudança súbita de ritmo. Dá-se ínico, então, à história.
E entra o violino. O instrumento mágico. E a conjugação dos dois instrumentos é a banda sonora perfeita de um filme de marionetas. Cada nota ritimada do piano é um puxar dos cordões que movem as marionetas. Invisíveis. Cada nota mágica do violino dá acção à história. E as marionetas movem-se, gesticulam, falam na tela do cinema. Sucedem-se as acções. As histórias. Os acontecimentos. As pessoas. As emoções. Os sentimentos. Numa roda-vida de movimentos repetitivos, calculados, planeados, estudados em camâra rápida.
Mas eis que as notas do piano e do violino se alteram. E o ritmo também. Talvez os cordões nao sejam assim tao invisiveis! Talvez as marionetas possam, um dia, ter vontade própria..
Suspense.
As notas do violino tornam-se mais mágicas, mais agudas, mais delicadas, mas profundas...Mais cortantes pelo peso da consciencia.
No final, volta o piano. O filme acaba.
Passam os créditos finais.
As marionetas de fios invisiveis continuam marionetas.
Jazem caídas no palco.
Por hoje a
cabou-se o espectáculo.
Fundo preto.

2 comentários:

Plasticine disse...

Sem dúvida que é dos textos teus que mais gostei de ler. Por várias razões, mas principalmente por me identificar com essa procura dos mundos e a nunca realização de outros :)
Por outro lado, adoro as histórias que se contam em três minutos de música sem ser preciso pronunciar uma única palavra...

Anônimo disse...

há musicas que alteram o nosso estado...melhor...todas as musicas nos alteram, assim como um simples copo de moscatel, quando estás em cas sozinha..há musicas que simplesmente nos gastam os pés de tanto as dançar e de as sentir...há musicas que nos invadem a alma...nos deixam em paz e sem orientação...a musica faz parte de alguns de nos...simplesmente musica...é uma maravilha do mu ndo? eu acho que é mais que isso