terça-feira, 25 de agosto de 2009

Talvez este fosse um daqueles dias...

Talvez este fosse um daqueles dias em que ia passar a tarde toda a cuidar de mim. Em que perderia tempo a pensar no verniz que ia usar. Em que ia constatar que, de facto, a minha pele já teve melhores dias. E já agora o meu cabelo também. Em que iria estender o meu guarda-roupa todo em cima da cama, mexer em tudo, conjugar tudo, desfazer tudo, suspirar que "não tenho nada de jeito para vestir", remexer tudo outra vez, experimentar umas quantas coisas, juntar os acessórios à equação, voltar a suspirar e, por fim, lá escolher o que levar mais por exaustão do que por certeza. Depois ia tomar um daqueles banhos que insultariam qualquer ambientalista para depois passar à fase dos cremes, do vestir, do maquilhar, do pentear e do observar o resultado.
Afinal é uma ocasião especial. O reencontro com alguns dos meus "amigos-barra-colegas" do secundário. Ainda nem um ano se passou mas esse tempo soa-me a anos. Como se fosse um daqueles reencontros de colegas de escola que não se vêem a 20 anos. Afinal, já não estudamos as mesmas coisas, não temos os meus horários, os mesmos problemas, os mesmos "colegas-barra-amigos". As nossas vidas já não são iguais: temos de ter mudado. Temos necessariamente de parecer diferentes do que éramos há um ano atrás. E eu sei que eles me vão parecer diferentes: grandes, adultos, vividos. Na forma de vestir talvez, numa ligeira mudança da forma como falam, dos assuntos porque também não haverá tempo para muito mais. Se quisesse, se tivesse perdido a tal tarde a cuidar de mim, talvez também parecesse assim: grande, adulta, vivida. Não, é mentira. Nem a mim me conseguiria enganar. Iria sempre parecer igual. Porque as diferenças mesmo que as houvesse não seriam aos olhos deles...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A vida (que) não se perdeu

Podia ter escolhido continuar com o negócio de família. Ter uma vida próspera e sossegada. Mas não. Raul Solnado escolheu ser actor. Escolheu o caminho mais inesperado, mais arriscado, mais difícil e com ele revelou ao mundo o seu dom para fazer rir sem insensibilidades ou obscenidades, inovar sem nunca perder o conteúdo ou recorrer à piada fácil e mostrar que a comédia é, de facto, o discurso mais poderoso do mundo...
Foi todo um universo criativo que nos deixou, mas também uma vida que não se perdeu num caminho mais fácil. Também gostava de, um dia, escrever a minha autografia (mesmo que apenas imaginária) e dar-lhe exactamente o mesmo título que a deste grande senhor "A vida não se perdeu". Quem não gostaria? Ter a certeza, na velhice, que aplicámos cada gota de suor e lágrimas, cada centelha de força de vontade àquilo que realmente gostamos e naquilo em que somos realmente bons. E saber que podemos continuar a sonhar mas é a força do hábito, os maiores sonhos foram sonhados, vividos e agora lembrados com um sorriso doce nos lábios.
Acho que não devia haver só tristeza na sua morte mas também alegria porque ele conseguiu tudo isso. Raul Solnado pode agora ser lembrado como o maior comediante português de sempre, mas também foi um homem que arriscou, conseguiu alcançar os seus sonhos e com ele incentivou todos os outros a fazerem o mesmo : "Façam o favor de ser felizes!"

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A Terra do Nunca

20-26/07
O acordar com o cantar estridente do galo.
O ir dar comida às galinhas a seguir ao pequeno-almoço.
Os longos passeios por entre os montes e riachos com a mochila às costas e os mais pequenos às cavalitas.
O almoço na grande mesa da cozinha com os miúdos a darem sorrateiramente pedaços de pão ao gato escondido debaixo da mesa.
As tardes a jogar à bola no descampado e a escalar os fardos de feno e palha ao som das cigarras.
As nódoas negras e arranhões nas pernas também salpicadas pelas picadas de urtigas.
As corridas de bicicletas pela rua abaixo.
O lanche com o pão quente acabado de sair do forno e manteiga a derreter por cima.
Os velhos filmes da Disney em tardes chuvosas.
Ter vizinhos chamados "tio Xico" e "tia Celestina" que nos convidam para merendar.
O passar pachorrento de um pequeno rebanho ou manada e seu pastor pelo meio da rua.
O jantar com a televisão desligada e sem ninguém dar por isso.
O passeio depois de jantar com o cão a trotar alegremente à frente, as estrelas e os pirilampos a iluminar-nos o caminho.
O dar conta que, de facto, o céu tem muitas e muitas estrelas.
O jogar às escondidas e à macaca no meio da rua antes de ir dormir.
A roupa imunda ao fim do dia, o belo banho e uma noite sem sonhos com os grilos a cantarem cada vez mais longe..

Desterrada do mundo naquela aldeia esquecida pela rede do telemóvel e da internet, voltei a saborear os dias como gomos de laranja doce. E cada um diferente pelo apuramento dos sentidos e colorido pela da imaginação.
Acho q
ue naqueles dias voltei a ser simplesmente criança...

25/07/09