domingo, 31 de maio de 2009

O erro da sra. astróloga

"Não espere por nada nem por ninguém na altura de realizar os seus sonhos. Terá de aprender a não depender dos outros." dizia a sra. astróloga Yolanda Qualquer-Coisa sobre o signo de Balança nas suas previsões diárias para um jornal diário gratuito qualquer daqueles que uso para fazer o sudoku à hora de almoço.

Ora, esta senhora está enganada. Muito enganada. Não sei como terá visto isto no movimento dos astros mas eles de certeza é que não se enganaram (se alguma razão têm...) Talvez o problema esteja apenas na interpretação...

"Não espere por ninguém na altura de realizar os seus sonhos." Sim. Certo. Só eu poderei realizar os meus sonhos. Só a mim eles fazem parte. "O sonho comanda a vida". Não os outros.

"Terá de aprender a não depender dos outros". Também concordo. Sim, dependo muito dos outros. Dependo de boas conversas no autocarro para que o dia seja bom. Dependo da boa disposição dos outros para contagiar a minha. Dependo de me sentir bem no meio dos outros. Depende de me identificar com os outros. Os outros. Sempre os outros.

Mas vamos imaginar que, um dia, eu consigo alcançar os meus sonhos. Tal como a senhora Yolanda disse: não esperando nem dependendo de ninguém.
Que, um dia, que vou fazer uma viagem pelo mundo só com uma mochila às costas. Que vou assistir a uma partida no Roland Garros. Que faço mergulho, para-quedismo e bungee jumping. Não esperei por niguém. E agora? Não faço essa viagem. Não vou a esse torneio. Não mergulho. Não voou. Não salto. Para mim, estas coisas não foram feitas para se fazerem sozinhas. E as histórias são para ser contadas, pelo menos, a dois.

Vamos imaginar que, um dia, consigo ir trabalhar para o estrangeiro na minha (ainda por descobrir) especialidade . Trabalho naquilo que gosto e naquilo que sou realmente boa. Ganho bem. Sou respeitada por isso. Por não depender de ninguém. E, depois de mais um dia de trabalho, volto para a minha vivenda com jardim num bairro calmo ao pé da cidade. Tenho o cão à minha espera e um sofá confortável com um grande gato a dormir em cima. Ponho a musica a tocar e danço sozinha. Depois do banho no jacuzzi faço a jantar apenas para um com o gato na sala vazia e o cão aos meus pés. Que vida é essa?

E, mesmo que não consiga nada disto, vamos imaginar que, um dia, simplesmente consigo comprar uma daquelas máquinas café da Nespresso caríssimas que sempre quis ter e exprimentar todos os sabores de café do mundo. Mas, às vezes, até o pior dos cafés sabe bem desde que se tenha uma boa companhia- É pena o inverso não ser igualmente verdadeiro...

Não sei se os astros se enganaram ou não. Ou foi apenas a sra. astróloga Yolanda Qualquer-Coisa na sua tentativa de transformar os seus movimentos e posições relativas em frases semi-filosóficas. Só sei que o sonho pode comandar a minha vida. Que poderei ter de abdicar de muita coisa e gente para os concretizar. Mas nos meus sonhos também nunca estou sozinha...

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Brilho especial

Há falta de palavras minhas, encontro-me nas dos outros.

"Mas, como todos sabiam, as mulheres amadurecem muito mais rapidamente que os homens e Maria - embora não passasse noites em claro a pensar nos seus conflitos filosóficos - pelo menos uma coisa sabia: não possuía aquilo a que o pintor chamava "luz" e que ela interpretava como um 'brilho especial'. Era uma pessoa como todas as outras, sofria a sua solidão em silêncio, tentava justificar tudo o que fazia, fingia ser forte quando estava muito fraca, renunciara a qualquer paixão em nome de um trabalho perigoso, mas agora, já perto do fim, tinha planos para o futuro e arrependimentos do passado - e uma pessoa assim não tem nada de "brilho especial". Aquilo devia ser apenas uma maneira de a manter calada e feliz por estar ali, imóvel, fazendo o papel de idiota.
'Luz pessoal. Podia ter escolhido outra coisa, como 'o seu perfil é lindo'.
Como entra a luz numa casa? Se as janelas tiverem abertas. E como entra a luz numa pessoa?"
"Onze Minutos", Paulo Coelho

Foto de Helder Vasconcelos

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Desejos vãos




Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
Poema de Florbela Espanca

Mar. Árvore. Sol. Pedra. Tenho de escolher o que quero, pelo menos.